Suspensão da imunidade de contribuições sociais: um novo cenário para entidades beneficentes

A imunidade das entidades beneficentes em relação às contribuições sociais tem respaldo constitucional no artigo 195, §7º da Constituição Federal, o qual confere à lei a atribuição de definir os parâmetros para a concessão dessa imunidade, tanto para as entidades como para as autoridades responsáveis pela sua certificação e fiscalização.

O ponto de interesse nesta análise é o procedimento para suspensão do direito à imunidade e a consequente cobrança das contribuições sociais devidas ao fisco federal. O tema ganhou relevância diante de alterações legislativas, decisões do STF e mudanças nas diretrizes do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), tornando necessário um exame mais detalhado do processo de suspensão da imunidade tributária.

Alterações legislativas e decisões do STF

O antigo artigo 32 da Lei nº 12.101/2009 estabelecia que, ao se constatar o descumprimento dos requisitos para a fruição da imunidade por parte das entidades beneficentes, a Receita Federal lavraria auto de infração, retroativo à data da infração. Contudo, em 2020, o STF declarou essa regra inconstitucional (ADI nº 4.480/DF), alegando que ela violava o direito ao contraditório e à ampla defesa ao prever a suspensão automática da imunidade sem o devido processo legal.

Em resposta, a Lei Complementar nº 187/2021 reformulou esse procedimento. Agora, o lançamento de contribuições sociais só pode ocorrer após a conclusão de um processo administrativo que avalie o cumprimento dos requisitos da imunidade, garantindo ao contribuinte o direito à defesa antes de qualquer decisão que cancele o benefício. O artigo 38 dessa lei prevê que o processo administrativo fiscal (PAF) deve ser suspenso até que a certificação da entidade seja cancelada de forma definitiva.

Procedimento e analogias com a Lei nº 9.430/1996

O novo rito se assemelha ao estabelecido pela Lei nº 9.430/1996, que exige a emissão de um Ato Declaratório Executivo (ADE) para a suspensão de benefícios tributários. Embora o artigo 32 da referida lei se aplique diretamente a impostos, o Carf já estendeu seu entendimento para contribuições sociais, afirmando que a regra é válida para outras espécies tributárias, como o PIS e a Cofins.

Dessa forma, para que a suspensão da imunidade seja válida, a Receita Federal deve emitir uma notificação formal relatando os fatos que justificam a suspensão do benefício. A partir dessa notificação, a entidade tem 30 dias para se manifestar e apresentar provas em sua defesa. Se as alegações forem rejeitadas, a suspensão será formalizada por meio do ADE, que poderá ser impugnado pela entidade.

Risco de nulidade por descumprimento do procedimento legal

Qualquer tentativa de constituição de crédito tributário sem observar o devido procedimento administrativo pode ser considerada nula. Isso ocorre porque o artigo 38 da LC nº 187/2021 assegura às entidades o direito de se defenderem previamente à suspensão da imunidade. Lançamentos de contribuições sociais concomitantes à exclusão do benefício sem respeitar esse rito violam o direito ao contraditório e à ampla defesa, conforme estabelecido pelo STF na ADI 4.480, o que pode resultar na anulação do lançamento tributário.

Conclusão: Um futuro de contencioso administrativo?

Com a introdução da LC nº 187/2021, qualquer tentativa de cobrança de contribuições sociais sem a observância do rito prévio de suspensão da imunidade corre o risco de ser questionada administrativamente. O Carf, em especial sua 2ª Seção, pode vir a enfrentar um aumento de contenciosos sobre o tema, repetindo debates já comuns na 1ª Seção, que trata de tributos federais.

Portanto, espera-se que, no futuro, haja uma evolução no entendimento do tema pelo Carf, de modo a garantir maior uniformidade nas decisões de suas turmas. Caso contrário, será necessário que o Pleno da CSRF intervenha para pacificar o entendimento, assegurando segurança jurídica e evitando a proliferação de disputas prolongadas que possam prejudicar as entidades beneficentes.

Fonte: Thais de Laurentiis – Conjur