ICMS-GO – Parecer Normativo SPT Nº 1 DE 07/06/2024

Publicado no DOE – GO em 7 jun 2024

Direito tributário. Legislação tributária do estado de goiás. Imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação – ICMS. Fato gerador na comercialização de placas de identificação veiculares. Segurança jurídica. Nova interpretação. Irretroatividade.

No propósito de conferir interpretação às disposições da legislação tributária estadual que regulamentam a matéria sob análise e visando a integração e a congruência normativa com o ordenamento jurídico vigente, esta Superintendência de Política Tributária, respaldada pelo artigo 52 da Lei Estadual nº 16.469, de 2009, resolve editar o presente parecer normativo.

A questão nodal a ser dirimida por meio deste instrumento normativo consiste em dirimir qual o fato gerador incide na atividade de estampagem de placas de identificação veicular (PIV) e subsequente comercialização desses produtos aos proprietários de automóveis. Cumpre elucidar, com precisão, se a operação configura uma prestação de serviços sujeita ao Imposto Sobre Serviços – ISS, ou se caracteriza uma comercialização de mercadorias, sujeita à incidência do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS.

Adicionalmente, afigura-se imperativo definir se é possível, em caso de mudança de entendimento, a aplicação retroativa da nova interpretação.

Inicialmente, faz-se necessária breve incursão sobre a natureza da atividade de estampagem de placas veiculares à luz das normas de trânsito.

A consulta formulada cinge-se a analisar a incidência do ICMS sobre o serviço de colocação de números, letras e lacres em placas de automóveis.

Como se sabe, o art. 109 do Código Tributário Nacional preceitua que os princípios gerais de direito privado devem ser utilizados para pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance de seus institutos, conceitos e formas, mas não para definição dos respectivos efeitos tributários.

Todavia, a definição jurídica dos fatos narrados na exordial, e a consequente conclusão se atividade de fabricação e estampagem das placas de identificação veicular (PIV) se subsome à disciplina da Lei Complementar 116/2003 ou da Lei Complementar 87/1996, perpassa, preliminarmente, pela averiguação de como ocorre a prestação dos serviços de colocação de placas automotivas.

Nesse desiderato, imprescindível analisar as normas de regência editadas pelos órgãos de trânsito.

Pois bem. Como se sabe a regulamentação das normas do Código de Trânsito Brasileiro incumbe ao Conselho Nacional de Trânsito – CONTRAN. A propósito, destaca-se que, durante o julgamento da ADI 6.313/DF, o Supremo Tribunal Federal reafirmou essa competência, especificando que a regulamentação dos serviços de fabricação e estampagem de placas de identificação veicular integra o rol de atribuições do CONTRAN.

Com arrimo nas resoluções editadas pelo CONTRAN, que fornecem o arcabouço normativo que disciplina a atividade de fabricação e estampagem das placas de identificação veicular (PIV), é pertinente proceder uma análise detalhada de como esse tema foi abordado por aquele órgão ao longo do tempo. Esta análise proporcionará uma compreensão mais percuciente das mudanças normativas que orientaram a evolução da regulamentação nesta área, bem como da alteração do entendimento acerca do fato gerador do imposto incidente no processo de estampagem.

No ano de 2015, o CONTRAN tratou do assunto mediante a Resolução nº 510/2014. Esta norma inaugurou o padrão MERCOSUL das placas de identificação veiculares. O artigo 5º, em seu caput, delegou ao DENATRAN a tarefa de credenciar os fabricantes, ao passo que o parágrafo terceiro do mesmo preceito atribuiu aos DETRAN’s a responsabilidade pelo credenciamento das empresas estampadoras.[1]

O processo como um todo, desde a produção das placas até o emplacamento nos veículos, consiste na aquisição das chapas, no corte na medida imposta pelo CONTRAN, perfuração, pintura, estampagem dos caracteres alfanuméricos, pintura, fixação das tarjetas e, finalmente, instalação no veículo.

Conforme prescreve a referida resolução, as atividades eram segregadas entre o fabricante e a estampadora. A estampagem configurava uma mera prestação de serviços a cargo da entidade fabricante.

Por esse motivo, a Lei estadual nº 18.983, de 27 de agosto de 2015, que autorizava a concessão do serviço público de emplacamento, impunha às concessionárias (estampadoras) a obrigação de repassar ao DETRAN o percentual de 10% (dez por cento) da receita líquida obtida, já descontado o imposto sobre serviços – ISS.[2]

Ao tempo em que essas normas estavam em vigor, a Gerência de Orientação Tributária da Secretaria da Economia de Goiás – GEOT, alinhando-se a esse entendimento, orientava que a estampagem realizada configurava prestação de serviços fora do alcance do ICMS. Dessa forma, foram editados pareceres como os de números 959/2010-GEPT, 1576/2010-GEPT, 1577/2010-GEPT e 320/2015-GTRE. As conclusões das consultas podem ser sintetizadas em relevante excerto do Parecer nº 320/2015, assim redigido:

Considerando que esta Gerência, por meio dos Pareceres nº 1576/2010-GEPT e nº 0959/2010-GEPT, exarou entendimento de que os estabelecimentos que realizam o processo de impressão das letras, números e pinturas ou “silk” das placas automotivas (estampadores) exercem atividade prestacional (obrigação de fazer) sujeita à incidência de ISSQN, na forma da LC nº 116/2003, tem-se que estes não são contribuintes do ICMS, não estando obrigados à emissão de notas fiscais modelo 1 ou 1-A.

Desse modo, tendo em vista que a entidade consulente, ao remeter as placas para a realização do serviço de estampagem, emite nota fiscal (CFOP 5.949 – outra saídas), sem destaque de imposto, e que o estampador, por não ser contribuinte do ICMS, não está obrigado à emissão de nota fiscal na forma da legislação tributária
estadual, entendemos que, por ocasião do retorno das placas já confeccionadas pelos estampadores ao seu estabelecimento, a consulente deverá, para efeito de controle de estoque das placas, emitir nota fiscal de entrada, sem destaque de imposto e com CFOP 1.949.

Os pareceres em questão revelam que a Administração Tributária do Estado de Goiás exarou iniludíveis instruções aos contribuintes, em especial à ASSIPLAGO – Associação dos Fabricantes, Estampadores e Lacradores de Placas Automotivas do Estado de Goiás, orientando-os que a atividade de estampagem, sob responsabilidade das empresas estampadoras, estava submetida à tributação do ISS.

Entrementes, em 6 de março de 2018, por intermédio da Resolução nº 729 do CONTRAN, o tema foi sensivelmente modificado pelo órgão regulamentar federal. Esta resolução atribuiua responsabilidade pela estampagem das placas de identificação veicular aos fabricantes, os quais poderiam executar a atividade diretamente ou mediante contratação de postos de estampagem.

O §3º do art. 5º da normativa prescrevia ainda que a comercialização das placas deveria ser efetuada diretamente com os proprietários dos veículos, sem intermediários, com a obrigatoriedade de divulgação pública e transparente do preço total, abarcando todos os custos inerentes, inclusive os de estampagem. [3]

O cotejamento das duas resoluções, 510/2015 e 729/2018, revela uma mudança normativa substancial atinente à atividade de estampagem. Na primeira, a estampadora prestava serviços para outra entidade, a fabricante, sujeitando-se ao recolhimento do ISS.

Já na segunda, a estampagem ficou a cargo da própria fabricante, caracterizando mera etapa do processo industrial de fabricação das placas veiculares.

Refletindo a dinâmica de constantes mudanças no setor, o CONTRAN, dois meses após a publicação da Portaria 729/2018, editou a Resolução nº 733, de 10 de maio de 2018, revogando a Resolução nº 729/2018. A nova normativa segregou as atividades de fabricação e estampagem entre duas entidades empresariais distintas, permitindo ao proprietário de veículo contratar a aquisição de placas diretamente de uma ou de outra empresa.

Apesar disso, denota-se que em ambos os casos a comercialização das placas estava sujeita à incidência do ICMS. Inclusive o §4º do artigo 5º nivelou as responsabilidades, determinando que tanto fabricantes quanto estampadores deveriam emitir “nota fiscal de produto e serviço” ao consumidor final.[4]

Na sequência, em 26 de junho de 2019, foi publicada a Resolução nº 780, conferindo novo tratamento jurídico à atividade de estampagem. Retirou-se a possibilidade de os proprietários de veículos contratarem diretamente com o fabricante. A relação jurídica dos consumidores passou a ser realizada exclusivamente com os estampadores, eliminando o contato direto com os fabricantes no momento da transação comercial.

Uma segunda mudança primordial refere-se à emissão do documento fiscal. Não se mencionou que o estampador deveria emitir “nota fiscal de produto e serviço”, mas apenas “nota fiscal ao consumidor”, a qual deveria englobar todo o custo da placa.[5]

Inobstante a normatização do serviço de estampagem pelo CONTRAN, o DETRAN/GO editou a Portaria nº 12/2020, em 09/01/2020, estabelecendo, inadvertidamente, que as estampadoras deveriam emitir a nota fiscal de serviços na venda para o consumidor final, nesses termos:

Art. 33, § 5º Após o processo de afixação das placas no veículo correspondente, a Estampadora deverá coletar e armazenar em banco de dados próprio por até 5 (cinco) anos, arquivo da Nota Fiscal de serviços e as imagens coletadas referentes a imagem frontal e traseira que demonstre a placa devidamente afixada epermita a identificação do veículo (modelo e cor); Interessante notar que o art. 40, inc. I, alínea “k”, da mencionada portaria, estipulou que a inobservância, pela empresa estampadora, da emissão da nota fiscal de serviços seria passível da penalidade de advertência.[6]

Visando retificar o equívoco normativo, o DETRAN/GO editou nova portaria, nº 1.520/2020, em 23/12/2020, abolindo a exigência de que as estampadoras deveriam emitir nota fiscal de serviços, passando a prescrever a obrigatoriedade de emissão da nota fiscal de venda. Veja-se:

Art. 2º. O sistema para pagamento e agendamento online previsto no parágrafo único do art. 4º da Portaria 666/2020 deverá estar integrado aos sistemas de segurança e rastreabilidade do DETRAN/GO.

§1º Deverá a empresa estampadora emitir automaticamente a Nota Fiscal e encaminhar o ar xml da nota fiscal de venda ao cliente, via e-mail, bem como informar os dados para o DEGO.

Irresignadas com a novel exigência, algumas empresas contestaram judicialmente a validade da Portaria nº 1.520/2020.

Nos Agravos de Instrumento nº 5616078-18.2021.8.09.0051 e nº 5616122-37.2021.8.09.0051, julgados pela 5ª e 3ª Câmara Cível, respectivamente, o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, ao apreciar o tema, manteve a decisão do juízo a quo, ratificando o entendimento de que a atividade desempenhada pelas empresas estampadoras se qualifica como venda de mercadoria, sujeita ao ICMS e não ao ISS. Em primeira instância, a 4ª Vara da Fazenda Pública Estadual reiteradamente segue essa orientação.

No mesmo diapasão, a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), na apreciação do AgRg no REsp nº 1.455.043-PR, de forma unânime, assim decidiu:

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. FABRICAÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO DE PLACAS DE IDENTIFICAÇÃO DE AUTOMÓVEIS. INEXISTÊNCIA DE CARÁTER PUBLICITÁRIO. PRODUÇÃO EM LARGA ESCALA. PROCESSO INDUSTRIAL.

PADRONIZAÇÃO DAS PLACAS. OBRIGAÇÃO DE DAR. INCIDÊNCIA DE ICMS, E NÃO DO ISS, EM RAZÃO DESSAS PECULIARIDADES. NECESSIDADE DE REEXAME DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. SÚMULA 7/STJ.

  1. A controvérsia cinge-se a analisar a incidência de ISS sobre o serviço de colocação de números, letras e lacres em placas de automóveis.
  2. A Corte local, para chegar à conclusão de que incidiria no caso dos autos o ICMS, em vez do ISS, fez as seguintes ponderações: a) falta caráter publicitário desse tipo de placa; b) sua produção é em larga escala; c) a confecção de placas consiste em processo industrial, evidenciando, assim, seu caráter de mercadoria; e é uma obrigação de dar, consistente na entrega da coisa, sendo o fato gerador a compra e venda mercantil; e d) em razão da padronização das placas, é inaplicável o entendimento da confecção de serviços gráficos.
  3. Rever o entendimento firmado pelo Tribunal a quo requer o revolvimento do conjunto fático-probatório dos autos, o que é inadmissível na via estreita do Recurso Especial, ante o óbice da Súmula 7/STJ.
  4. Agravo Regimental não provido.

Apesar do reconhecimento judicial de que a atividade das estampadoras caracteriza uma produção padronizada, sem nenhuma espécie de personalização ou atividade criativa, conceituando-se como industrialização na modalidade de beneficiamento, o DETRAN/GO, em procedimento aparentemente paradoxal, “repristinou” a exigência de emissão de nota fiscal de serviços por parte da estampadoras.

Essa guinada de posionamento ocorreu por meio da Portaria nº 708, de 8 de julho de 2022. Interessante notar que, sem que houvesse qualquer alteração no âmbito da regulamentação pelo CONTRAN, o órgão estadual ressuscitou a disciplina contida na Portaria nº 12/2020, estabelecendo que as entidades estampadoras deveriam emitir nota fiscal de serviços ao consumidor final:

Art. 33. As Estampadoras serão responsáveis pelos serviços de emplacamento nos respectivos veículos, a serem realizados no endereço de sua sede, excepcionalmente, poderão fazer o emplacamento delivery, nas concessionárias, montadoras,transportadoras, locadoras que possui sede dentro do mesmo município da credenciada, desde que possua autorização expressa de estampagem do DETRAN/ GO, seja cumprido os termos do artigo 31 desta portaria, bem como o serviço solicitado deverá ser feito expressamente pelo proprietário e/ou despachante que possui procuração para tanto.

[…]

§ 5º Após o processo de afixação das placas no veículo correspondente, a Estampadora deverá coletare armazenar em banco de dados próprio por até 5 (cinco) anos, arquivo da Nota Fiscal de serviçose as imagens coletadas referentes a imagem frontal e traseira que demonstre a placa devidamente afixada e permita a identificação do veículo (modelo e cor);

Nesse ponto, parece indisfarçável que a norma emitida pelo DETRAN, ao estipular a emissão de nota fiscal de serviços pelas estampadoras, pode ser vista como uma intepretação ampliativa de suas prerrogativas. Conforme artigo 22 do Código de Trânsito Brasileiro, Lei nº 9.503/1997, a competência do DETRAN está adstrita à execução de atividades administrativas.

Portanto, enquanto a exigência de emissão de nota fiscal de serviços por parte do DETRAN se expande para além das atribuições regulamentares tipicamente conferidas ao órgão, essa medida também pode resultar em uma atribuição indevida de efeitos jurídicos no âmbito do direito tributário. A situação pode implicar desvirtuamento quanto à natureza das atividades das empresas estampadoras, conduzindo-as à distorcida percepção de que qualificar-se-iam como prestadoras de serviços.

Oportuno enfatizar que a Resolução n.º 969, de 20 de junho de 2022, do Conselho Nacional de Trânsito, atualmente em vigor, que dispõe sobre o sistema de Placas de Identificação de Veículos (PIV) registrados no território nacional, preconiza que:

Art. 6º Para fins desta Resolução, adotam-se as seguintes definições:

I – estampador de PIV: empresa credenciada pelo órgão ou entidade executivo de trânsito dos Estados ou do Distrito Federal com uso de sistema informatizado do órgão máximo executivo de trânsito da União, responsável por exercer, exclusivamente, o serviço de acabamento final das PIV e sua comercialização junto aos proprietários
dos veículos;

[…]

Art. 16. Os estampadores deverão emitir a nota fiscal diretamente ao consumidor final, sendo vedada a sub-rogação dessa responsabilidade.

Art. 17. Os estampadores credenciados deverão realizar, sob sua única, exclusiva e indelegável responsabilidade, a comercialização direta com os proprietários dos veículos, sem intermediários ou delegação a terceiros a qualquer título, definindo de forma pública, clara e transparente o preço total da PIV.

Consoante se evidencia, a atividade dos estampadores consiste, conforme regulamentação contemporânea, na comercialização de placas de identificação veicular, que é o produto final resultante do processo de estampagem empregada na placa semiacabada, posteriormente fixadas em veículos para fins de identificação veicular,
fabricadas conforme regulamentação definida, e confirmadas, junto ao DENATRAN, mediante a prestação da informação acerca da combinação alfanumérica autorizada e o QR CODE utilizado na produção.

Constata-se, portanto, que a produção das placas, mesmo quando encomendada pelo usuário final e personalizada de acordo com suas especificações, configura etapa de um processo industrial, de sorte que o processo de fabricação (ou industrialização por meio de transformação) e posterior venda de placas de identificação veicular constituem atividade que se submete à incidência do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS Com efeito, a estampagem das placas de identificação veicular, quando executada dentro do processo industrial, é considerada industrialização na modalidade de beneficiamento, posto que altera a aparência do produto, dando-lhe utilidade prática.

Por analogia, não se pode classificar, por exemplo, como serviço, para efeitos tributários, a execução de pintura na linha de montagem de uma indústria automobilística, posto que se insere no processo de industrialização.

Nesse cenário, exsurge iniludível que a obrigação principal está relacionada à entrega de um objeto (placas de identificação veicular), ao revés da obrigação de realizar algum tipo de serviço. De fato, a mercadoria em questão não permite personalização.

As placas são confeccionadas por empresas credenciados pelos órgãos de trânsito, com a observância de padronização estrita, nos termos da legislação federal de trânsito (tamanho, cor, etc.).

Extreme de dúvidas que tal atividade, por conseguinte, insere-se no conceito de industrialização, atraindo a incidência do ICMS.

A esse respeito, cumpre observar que o art. 5º do Decreto nº 4.852/1997, que regulamenta o Código Tributário Estadual, assim dispõe:

Art. 5º Considera-se industrialização, qualquer processo que modifique a natureza, o funcionamento o acabamento, a apresentação ou a finalidade produto ou o aperfeiçoe para o consumo, tais como (Lei nº 11.651/91, art. 12, II, “b”):

[…]

II – beneficiamento, o que importe em modificar, aperfeiçoar ou, de qualquer forma, alterar o funcionamento, a utilização, o acabamento ou a aparência do produto;

Desse modo, em que pese o Departamento Estadual de Trânsito – DETRAN/GO ter restabelecido a exigência de emissão de nota fiscal de serviços por parte das estampadoras, o fato é que as atividades por elas desenvolvidas, hodiernamente, configuram fato gerador do ICMS.

A produção de placas segundo padrões estabelecidos pelo CONTRAN realiza-se por meio de processo industrial, prevalecendo a obrigação de dar em relação à obrigação de fazer. As estampadoras não realizam nenhuma espécie de serviços a ensejar incidência do item 24.01 da lista anexa de serviços à lei complementar nº116/2003[7].

Por isso, no contexto da produção de placas veiculares, o que se sobressai é a industrialização e a produção de uma mercadoria, e não simplesmente a prestação de um serviço. Evidentemente, o consumidor, ao encomendar o produto, busca adquirir uma mercadoria para uso próprio, evidenciando a intenção de comprar um bem, e não contratar um serviço. Esta situação difere claramente de cenários como a encomenda de um projeto de design, que, embora possa ser entregue em suportes físicos como croquis e plantas ou em formatos digitais como arquivos eletrônicos, essencialmente configura uma obrigação de fazer devido à natureza intelectual e criativa do trabalho.

No caso das placas de identificação veicular, reprise-se que o foco recai sobre a entrega de um bem material. A empresa estampadora é contratada não para executar um serviço, mas para fornecer um produto submetido a um processo industrial. Portanto, o relacionamento contratual e a transação comercial sublinham a
transferência de uma mercadoria, não a execução de um serviço, refletindo assim a natureza predominante da transação como uma atividade de industrialização.

Fixadas tais premissas, cumpre analisar, por derradeiro, a possibilidade de aplicação retroativa dessa nova interpretação.

Cediço que o princípio da Segurança Jurídica foi explicitamente consagrado na legislação estadual por meio da Lei nº 13.800, de 18 de janeiro de 2001 e da Lei Complementar nº 104/2013. A manifestação mais evidente dessa diretriz encontra-se delineada nos preceitos a seguir transcritos: Lei 13.800/2001

Art. 2º A Administração pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.

Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de:

[…]

XIII – interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento de sua finalidade pública, vedada aplicação retroativa de nova interpretação.

………………………

Lei Complementar 104/2013

Art. 35. Os contribuintes, os órgãos da Administração Pública e as entidades representativas de categoria econômica ou profissional poderão formular Consulta Fiscal à Administração Pública acerca da vigência, interpretação e aplicação da legislação tributária, observado o seguinte:

[…]

X – as Soluções de Consultas produzirão seus regulares efeitos até sua formal revogação pela Administração Pública, sendo vedada a aplicação retroativa deste novo entendimento, caso o mesmo seja desfavorável ao contribuinte;

Os referidos preceitos estipulam que a interpretação das normas administrativas deve assegurar a realização da finalidade pública a que se destinam, proibindo expressamente a atribuição de efeitos retroperantes a novas interpretações.

Esta normativa reflete uma influência significativa do sistema jurídico anglo-saxônico, conhecido como common law, segundo o qual as alterações interpretativas devem ser aplicadas prospectivamente, conforme a teoria da superação prospectiva (prospective overruling).

A importância da proteção contra alterações no entendimento da Administração Tributária é enfatizada pela doutrina de Luiz Eduardo Schoueri. Segundo o eminente professor, seria inaceitável que o contribuinte, orientado previamente pela própria Administração sobre como proceder durante o processo de lançamento tributário, fosse posteriormente confrontado com uma tributação imprevista e com a qual não poderia, de maneira legítima, contar[8].

Sustenta o ilustre doutrinador, com base na segurança jurídica, que as orientações fornecidas pela Administração devem permanecer consistentes para garantir que os contribuintes possam planejar suas ações econômicas e fiscais com segurança e previsibilidade. Assim, o insigne mestre destaca a necessidade de uma Administração Tributária estável e previsível, que não submeta os contribuintes a mudanças abruptas e retroativas de interpretação que possam afetar adversamente suas obrigações e direitos, inviabilizando de modo grave a atividade econômica do contribuinte.

No caso sob exame, relacionado à emblemática questão tributária envolvendo a estampagem de placas de identificação veicular, é de se destacar que a Administração Tributária do Estado de Goiás, mediante pareceres editados pela Gerência de Orientação Tributária, exarou reiteradas orientações no sentido de que a aludida atividade estava submetida à incidência do ISS. Na esteira desse entendimento, as resoluções do CONTRAN editadas à época apontavam que as atividades desempenhadas pelos estampadores não configuravam o fato gerador do ICMS, posto que não se enquadravam como circulação de mercadoria. Por consequência, sedimentou-se o entendimento de que o serviço prestado pelos estampadores se ajustava mais adequadamente sob o escopo do Imposto Sobre Serviços, cuja competência tributária pertence aos municípios. Essa interpretação foi construída com arrimo em critérios e fundamentos jurídicos relevados à época.

Insta gizar, porém, que ao interpretar determinada norma a administração tributária não fica eternamente refém daquela interpretação, podendo evoluir para um novo entendimento, desde que ancorada em motivações razoáveis que justifiquem um novel posicionamento.

À luz do princípio da autotutela, da eficiência e da segurança jurídica, diversos outros fundamentos podem ser invocados para justificar a mudança de tratamento da Administração Tributária no que concerne à atividade de estampagem de placas veiculares.

Dentre estes, destacam-se a evolução do tratamento da matéria no âmbito do órgão regulamentar, CONTRAN, e o entendimento jurisprudencial acerca da natureza jurídica do processo de estampagem.

Em face do exposto, e com fulcro no permissivo legal constante no artigo 52 da Lei nº 16.469/09, fixamos o seguinte entendimento:

a. Conforme delineado alhures, a atividade de estampagem, inicialmente considerada uma prestação de serviços sujeita ao ISS, evoluiu em sua interpretação regulatória e jurisprudencial.Com espeque nas resoluções normativas do CONTRAN e nos julgamentos proferidos pelos tribunais estaduais e pelo Superior Tribunal de Justiça, que classificam o procedimento como um ato de comercialização de mercadorias, reconhece-se que tal atividade se insere no campo de incidência do ICMS. Esta conclusão se alinha às resoluções do CONTRAN que atribuem aos fabricantes e estampadores a obrigatoriedade de emissão de nota fiscal de venda ao consumidor final, refletindo a natureza de venda de mercadorias, e não de prestação de serviços.

b. Tendo em conta o disposto no art. 2º, § único inc. XIII da Lei 13.000/2001 e art. 35, inc. X, da Lei Complementar 104/2013, e em conformidade com o princípio da segurança jurídica, a nova interpretação conferida à atividade de estampagem das placas de identificação veicular (PIV) possui efeitos prospectivos, não se aplicando aos fatos geradores pretéritos.

c. Ficam revogados os pareceres em sentido contrário, especialmente o Parecer nº 320/2015-GTRE.

d. Conforme autorização disposta no art. 103, caput, do Código Tributário Nacional, este parecer normativo entrará em vigor no dia 01 de julho de 2024, devendo as empresas estampadoras adequar seus procedimentos em conformidade com a orientação nele manifestada.

À consideração do Superintendente de Política Tributária.

HELVECIO VIEIRA DA CUNHA JUNIOR

Auditor Fiscal da Receita Estadual

DENILSON ALVES EVANGELISTA

Gerente de Orientação Tributária

De acordo:

WAYSER LUIZ PEREIRA

Superintendente de Política Tributária

Aprovado:

LILIAN DA SILVA FAGUNDES

Subsecretário da Receita Estadual

[1] Art. 5º Os fabricantes de placas veiculares serão credenciados pelo DENATRAN, devendo atender às especificações técnicas e demais características das placas de identificação veicular, que seguirão o padrão estabelecido por esta Resolução.

(…)

§ 3º Os órgãos executivos de trânsito dos Estados e do Distrito Federal poderão credenciar empresas para estampar a combinação alfanumérica nas placas de identificação veicular, desde que estas utilizem o material fornecido pelo fabricante de que trata o caput, e atendam às demais exigências desta Resolução.

[2] Lei nº 18.983/2015, art. 2º, V. As concessionárias destinarão ao Departamento Estadual de Trânsito -DETRAN-GO – mensalmente, importância não inferior a 10% (dez por cento) de sua receita líquida mensal, considerando-se receita líquida a receita bruta com a dedução dos tributos ISS, PIS, COFINS, CSLL e IRPJ, devendo os valores destinados ao DETRAN-GO ser aplicados, exclusivamente, em equipamentos de tecnologia, maquinários e melhoria das instalações físicas de suas unidades.

Res. 729/2018, art. 5º, §3º Para garantir segurança, qualidade e regularidade da placa de identificação veicular, bem como a necessidade de coibir a ação de atravessadores e a exploração dos consumidores, o fabricante credenciado, sob sua única, exclusiva e indelegável responsabilidade, deverá realizar a comercialização direta com os proprietários dos veículos ou os órgãos ou entidades executivos de trânsito dos Estados e do Distrito Federal, sem intermediários ou delegação a terceiros a qualquer título, definindo de forma pública, transparente e clara o preço total da placa de identificação veicular, que deverá incluir o serviço de estampagem, acabamento e respectivos insumos, além das despesas de envio das placas para os locais próprios para a realização dos serviços de instalação das placas e lacres de segurança, quando aplicáveis, a serem executadas sob a responsabilidade dos órgãos ou entidades executivos de trânsito dos Estados e do Distrito Federal.

[4] Res. 733/2018, art. 5º, §4º A emissão da nota fiscal de produto e serviço ao consumidor final deve ser realizada diretamente pelo Fabricante de Placas de Identificação Veicular ou pela Empresa Estampadora de Placas de Identificação Veicular credenciadas pelo DENATRAN, sendo vedada a sub-rogação dessa responsabilidade. [5] Res. 780/2019, art. 12, §3º Os estampadores deverão emitir a nota fiscal diretamente ao consumidor final, sendo vedada a sub-rogação dessa responsabilidade.

Art. 13. Os estampadores credenciados deverão realizar, sob sua única, exclusiva e indelegável responsabilidade, a comercialização direta com os proprietários dos veículos, sem intermediários ou delegação a terceiros a qualquer título, definindo de forma pública, clara e transparente o preço total da PIV.

[6] Art. 40. Constituem infrações de responsabilidade das Credenciadas:

I – Infrações passíveis de aplicação de ADVERTÊNCIA:

(…)

k) não fornecer aos clientes Nota Fiscal dos serviços prestados;

[7] 24.01 – Serviços de chaveiros, confecção de carimbos, placas, sinalização visual, banners, adesivos e congêneres.

[8] Cf. SCHOUERI, Luiz Eduardo. Direito Tributário. 2. ed. São Paulo:araiva, 2012, p. 680

FONTE:https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=460183